segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Sem Outra Face

SEM OUTRA FACE

Não chorarei por quem não fui
nem vou esconder atrás de desculpas esfarrapadas
meus farrapos

Meus vazios eu não tapo com peneiras
nem cubro com lençóis furados
Desaforos eu não trago pra dentro de casa
não tenho altar pra violência cotidiana
em cômodo nenhum
Minha raiva é certeira
e não atinge os meus nem as minhas
nem de raspão
(não se engane com os pronomes possessivos
não sou dono de nada nem ninguém)

Debocho dos cartões de Natal
e das propagandas de banco
Sou motivo de deboche
de fofocas
risinhos
e hipóteses malucas
talvez porque cultivo insanas sanidades
difíceis de explicar em almoços de família
e em mesas de bares gourmets

Carrego um exército de oprimidos nos ouvidos
e quando latejam de dor
de tanto ouvir isso que chamam de humor
censuro a liberdade de opressão

Me elogiam de chato
e sou
chato pra caralho
piada carrega ideia
e ideia enfrento com ideia

Levo a sério o que não tem graça
minha raiva é certeira
Se ofendem os meus e as minhas
se agridem os meus e as minhas
(não se engane com os pronomes possessivos
não sou dono de nada nem ninguém)
se conscientemente
agem pra conservar dores
e atravancam nosso caminho
eu e os dos meus ouvidos
gritamos em coro:
não passarão!
nem disfarçados de passarinho

(Lucas Bronzatto, Poema do livro Afronta Fronteiras!)

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Mergulho de um comunista


Poema de Lucas Bronzatto, desenho de Fabiano Carriero​ (pinceis sobre guardanapo de boteco), no Moscas Inconclusas.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Gente em movimento

Versão em gif do poema Gente!

http://giphy.com/gifs/26u6c2AtdepJyx8d2


Sem pedir licença


Sem pedir licença

Migalhas não enganam mais essa fome
Panos quentes não controlam mais essa febre
não impedem mais as convulsões

Se não há fronteiras para o que expande
a exploração de uma classe por outra
também não há fronteiras para os radicais
dos verbos resistir e ocupar

Guardados debaixo de línguas
e idiomas distintos entre si
furam barreiras
irrompendo sem pedir licença
como um rio

comum rio

Para onde vai


Para onde vai

Debaixo da terra
nutrindo-se das lágrimas
e pedaços de pele arrancados
pelas opressões onipresentes
no presente de tanta gente

Nutrindo-se do sangue
de quem caiu em combate
e de quem morreu sem saber
que era alvo nessa guerra

Nutrindo-se das marcas no chão
que cada passo a frente deixa
e que os dois passos atrás nunca apagam

Nutrindo-se dos papéis amassados
atirados ao chão pelos vencedores
que contam a História
e da saliva que carregou histórias
que não foram pra papel algum

Nutrindo-se das ruínas
do que havia antes
da globalização fincar seus totens
de seu totalitarismo disfarçado
ser enfiado goelas abaixo

Nutrindo-se do que foi arrancado pela raiz
das pedras removidas de sapatos caros
das folhas secas e dos frutos podres
Debaixo da terra
de onde não se enxerga fronteira alguma
ela cresce

Desconstrução


Desconstrução

Rodas coladas no sapato
Sem-Pernas sem pressa
sem pé nem cabeça
de corpo presente
solvente
ausente
Gato
sapato sem sola
Pedro Bala pedro cola
pedro esmola pedro amola
Pirulito de sapateiro
pedro penseiro cheirando
e cheirando e cheirando
e cheirando a festa e cheirando a sorte
cheirando descola do chão

dentro da garrafa o mundo é mais suave
dentro da garrafa a avenida é dele

fora da garrafa emerge da margem
do coração da acumulação de capital
humilhação acumulada no coração menino
flutua no cartão postal da capital
desafia a metrópole
desafina o coro
tira fina do corpo
quase voa pelos ares
enquanto voa com os ares
da sua adrenalina engarrafada

surfista de ondas de concreto
meia volta, volta e meia, Volta-Seca
capitão da areia da ampulheta
astronauta pisando seu próprio planeta
acrobata que você finge que não vê
tropeçando no céu
aspirando sua fuga
aspirante a notícia de morte sem nome
matéria desimportante
menor
“menor cheirando cola
atravessa a Avenida Paulista de patins
atrapalhando o tráfego”


(poema de Lucas Bronzatto sobre foto de Tiago Pezzo)

Cultivo


Cultivo

As palavras andam verdes

Por ora são as plantas
que falam por mim
não os versos

Se brotam de gestos feitos com a mão
se há na terra que as sustenta
as sobras do que não comi
o esforço dos malabarismos
pra escapar da especulação
se o que nasce alimenta
espanta e provoca
se é preciso regar e esperar
se a impaciência atrapalha
mesmo quando há urgência
se são contra-correntes
subterrâneas subversivas
insolentes alçando
cores onde querem cinza
vida onde querem aridez
sementes onde querem fim
se há beleza nos galhos tortos
não há dúvida:
As plantas são versos

que por ora falam por mim
mesmo que ninguém ouça

Mas hoje
quem diria
ignorando a seca
nasceu um poema no meio do jardim

(Lucas Bronzatto)